Por décadas, eles foram a base da web como a conhecemos, silenciosamente rastreando nossos passos entre sites para personalizar anúncios, manter logins e analisar comportamento. Mas o sino dobrou para os cookies de terceiros. O Google Chrome, o último dos grandes navegadores a permitir seu uso irrestrito, está finalizando o processo de bloqueá-los por padrão.
Isso não é apenas uma mudança para o marketing digital; é uma transformação fundamental na arquitetura da web que afeta diretamente a nós, desenvolvedores. Se você tem um site que usa um chat de suporte, um botão de “Login com Google”, ou qualquer tipo de anúncio, você precisa prestar atenção.
Este guia prático vai explicar o que está quebrando, quais são as novas ferramentas para consertar e como você pode preparar suas aplicações para esta nova era da web focada em privacidade.
O Básico: Por que os Cookies de Terceiros Estão Morrendo?
Um cookie de terceiro é um cookie definido por um domínio diferente daquele que você está visitando. Por exemplo, ao visitar meu-blog.com, um cookie definido por doubleclick.net (uma rede de anúncios) é um cookie de terceiro. Ele permite que a rede de anúncios te “siga” por diferentes sites.
A razão para o fim é simples: privacidade. Usuários e reguladores (como a LGPD no Brasil e a GDPR na Europa) exigem mais controle sobre seus dados. Navegadores como Safari (com o ITP) e Firefox (com o ETP) já bloqueiam esses cookies há anos. O Chrome está completando o movimento.
O Que Vai Quebrar? O Impacto no seu Código
- Publicidade e Retargeting: O caso de uso mais óbvio. A capacidade de mostrar um anúncio de um produto que você viu em outro site depende disso.
- Embeds e iFrames: Muitos serviços de terceiros que você embute em seu site (chats de suporte, sistemas de comentários como o Disqus, vídeos) usam cookies para manter o estado do usuário. Sem eles, o usuário pode ter que fazer login toda vez que recarregar a página.
- Single Sign-On (SSO): Vários fluxos de login federado (ex: “Login com Empresa X”) usavam cookies de terceiros para verificar a sessão do usuário de forma transparente.
A Caixa de Ferramentas do Futuro: Conheça a Privacy Sandbox
O Google não está simplesmente quebrando a web. Em vez disso, está propondo um conjunto de novas APIs sob o guarda-chuva da Privacy Sandbox. A ideia é permitir os casos de uso legítimos (como publicidade relevante e medição), mas de uma forma que proteja a identidade do usuário individual.
Aqui estão as APIs que todo desenvolvedor web precisa conhecer:
1. Para Embeds e Widgets: CHIPS (Cookies Having Independent Partitioned State)
Esta é talvez a API mais importante para muitos de nós. O CHIPS permite que um serviço de terceiro use cookies, mas eles são “particionados” (divididos) por site de primeiro nível.
Isso significa que o cookie que chat-suporte.com define quando está embutido em site-a.com é completamente diferente e inacessível do cookie que ele define em site-b.com. Isso permite que o widget funcione sem poder rastrear o usuário entre os sites.
Como usar? O provedor do serviço de terceiro precisa adicionar o atributo Partitioned ao seu cookie:
Set-Cookie: session=123; SameSite=None; Secure; Partitioned;
Se você usa um serviço de terceiro, verifique se eles já adotaram o CHIPS.
2. Para Login Federado: FedCM (Federated Credential Management)
Para substituir os fluxos de SSO que dependiam de cookies de terceiros, o FedCM introduz uma nova API mediada pelo navegador. Ele cria uma interface de usuário mais segura e padronizada para logins federados, informando claramente ao usuário qual identidade está sendo usada para se conectar a qual site, sem a necessidade de rastreamento cross-site.
3. Para Publicidade e Análise (As Grandes Mudanças)
- Topics API: O navegador determina alguns tópicos de interesse do usuário (ex: “Esportes”, “Culinária”) com base no histórico de navegação recente e compartilha apenas esses tópicos gerais com os anunciantes, não os sites específicos que você visitou.
- Protected Audience API (FLEDGE): Permite o retargeting (mostrar anúncios para quem já visitou seu site) de uma forma que a “lista de público” é armazenada e processada no navegador do usuário, e um leilão de anúncios acontece localmente no dispositivo, sem que o anunciante saiba exatamente quem você é.
- Attribution Reporting API: Mede quando um clique ou visualização de um anúncio leva a uma conversão, mas envia relatórios agregados e com atraso, impedindo o rastreamento individual em tempo real.
Seu Plano de Ação Como Desenvolvedor
Não espere tudo quebrar. Comece a se preparar hoje.
- Audite seu Site: Use a aba “Network” e “Application” do Chrome DevTools para encontrar todos os cookies que estão sendo definidos no seu domínio. Procure por cookies de domínios de terceiros, especialmente aqueles com
SameSite=None. - Simule o Fim dos Cookies: No Chrome, vá para
chrome://settings/cookiese ative a opção “Bloquear cookies de terceiros”. Navegue pelo seu site e veja o que quebra. O login, o chat, os comentários, tudo funciona? - Converse com seus Provedores: Entre em contato com os fornecedores dos serviços de terceiros que você usa (chats, analytics, etc.) e pergunte sobre o plano deles para o fim dos cookies de terceiros. Eles já suportam CHIPS ou outras alternativas?
- Abrace os Dados Primários (First-Party Data): A importância dos dados que você coleta diretamente dos seus usuários com consentimento explícito (como preferências em um perfil de usuário, histórico de compras no seu e-commerce) se tornou 10x maior. Invista em construir um relacionamento direto com seu público.
Conclusão: Uma Web Mais Madura
O fim dos cookies de terceiros é um passo doloroso, mas necessário, para a maturidade da internet. Para os desenvolvedores, isso significa abandonar alguns padrões antigos e aprender um novo conjunto de ferramentas. A boa notícia é que essas ferramentas, embora mais complexas, são projetadas para construir uma web mais segura e que respeita a privacidade do usuário.
Comece a testar, a estudar as novas APIs e a adaptar suas aplicações. O futuro da web é com privacidade por padrão, e cabe a nós construí-lo.
Quais são suas maiores preocupações ou dúvidas sobre essa transição? Compartilhe nos comentários!

